30/04/2010

Sobre a Poesia 1

Parece-me óbvio mas talvez não o seja para todos, e não subestimando a capacidade de ninguém, escrevo antes para mim mesmo como afirmação do conteúdo do que para outros como explicação. Até o sapato lacear pode causar bolhas nos pés e, só quem as teve e sentiu tal dor, pode saber o suplicio causado. Mas a dor passa, as bolhas cicatrizam e o sapato laceia, não causando mais dor até tornar-se imprestável ao ponto de poder apenas ser jogado fora, sendo substituído por um novo par que, antes de lacear, cause mais bolhas e mais dor, suportada mais facilmente por encontrar-se já calejado cada pé.

29/04/2010

Ortografia Absurda

Em meu trabalho tenho acesso a diversos tipos de correspondência, por tratar-se de local de internação coletiva, e a obrigação de lê-las para exercer a censura estabelecida pelos critérios do local fez-me por diversas vezes encontrar palavras escritas abominavelmente. Tratam-se de cartas que entram e saem para e de familiares e amigos, além de bilhetes de movimentação interna onde são cobrados medicamentos e outras providências. Em alguns casos, devemos reconhecer, o problema é a falta de empenho do governo em investir em educação, porém, em outros – e talvez na maioria deles – o pobrema é devido a fauta di impenho dos iscritor.

1. “Venho atraveiz deste pedir pôr favor qui estou nessecitando de uns...”

2. “Venho pedir uma pomada ati siquitrasante...”

3. “... espero que você si encontra com saúde...”

4. “Manutenção nas discarga...”

5. “Registro do chuveiro ispanadu...”

6. “...lá na frente viemos refleti melhor.”

7. “Por mais que eu teja te visto ontem...”

8. “...vou terminano a minha minsiva...”

9. “É serto qui você ira venser esa guerra...”

10. “Aesperança é autima que morre...”
Poesia 3

Distinção dos cortes

Nessas horas surge,
se faz num disco que não tenho,
e sua voz me ensina sem palavras
e som o que se encontra...

Além daqueles dias
estão os dias antes dos dias,
e as lições que não foram ditas:
- Nem tudo é sorriso quando o espelho embaça,
por trás da neblina encontra-se a lama.
O rosto nem sempre sorri por trás da máscara.

E é assim a solidão:
nunca está só.

Ainda sem a clareza total
de um dia que um dia nasce
se escuta a voz:
- Nem tudo é tristeza quando o espelho embaça,
Escondem a criança os gritos de dor.
Nem todos os cortes são para a morte.

E se ouviu o que permanecerá.
Apenas um segundo e tudo se esclarece:
O ontem morreu,
o agora vive e
o amanhã nascerá.

Poesia 4

O que não se evita

Caçamos as dores,
e suas presas eram afiadas.
E soluçamos e nossos olhos lacrimejaram.

Caçamos as dores
com intenção de matá-las,
mas não tinham fim.

Caçaram as dores
meus ancestrais, e foram
derrotados.
Caçamos as dores e seremos também.

E em todo fim de tarde
sinto a umidade desses olhos no espelho,
e as marcas de uma vida de pedra.
Caço as dores.
Sou sua caça.

28/04/2010

Poesia 1

Até o sapato lacear

Difícil o dia?
Não diga maldizeres,
espere o amanhã.
Sem temores de novas dores
espere por novas surras.
Que os calos tornarão as próximas
menos doloridas.

Poesia 2

Os discos


Tudo que cala de dores
e tristeza passa,
e apenas se ouve a voz,
mesmo que como choro
e lamentos permanece a voz.

Todo sofrer é válido,
tudo se esquece, caleja.
E mesmo depois,
quando não se percebe a dor,
vêem-se os calos que ficaram.
E não como lembrança da dor,
mas como vitória,
devem ser encarados.

Pois tudo passa,
e ficam apenas as palavras.
Ecoando.

21/04/2010

Contos de Zés

1

O Zé do Pinote foi um sujeito encontrado num puteiro meia-boca da cidade, onde um amigo meu entrou para apreciar a paisagem enquanto bebia uma cerveja após longa jornada de trabalho. Uma das garotas simpáticas que ali trabalhava sentou-se em uma cadeira de sua mesa, perguntando-lhe se queria companhia e, tendo confirmação, informou-lhe ser necessário que ele pagasse uma dose de Uísque. Ele concordou, imaginando os dez quilômetros que teria de andar até chegar a sua casa, mas o sacrifício valia a pena.
Após certo tempo chegou o personagem e, permitido por ambos, sentou-se junto à mesa. Passadas quase duas horas de conversa proveitosa e agradável, tendo o sujeito pago mais três garrafas de cerveja e uma dose de Uísque para outra moça simpática que ali chegara, meu amigo sugeriu-lhe pagar pequeno valor que havia pechinchado com uma das profissionais para que esta oferecesse seu serviço aos dois em um quarto que havia no estabelecimento.
Ouvindo a proposta o sujeito levantou-se com dificuldade pelo excesso de bebida e com a voz arrastada de embriagado falou:

- Cês...Tão qquerendo...ingambelá eu...

E saiu num pinote cambaleante porta afora até perder-se de vista. E eis o porquê do apelido.

2

Em outra ocasião esse mesmo amigo, a quem atribuirei o pseudônimo Careca, na intenção de comprar DVD`s de boa qualidade a baixo custo, uniu-se a conhecido seu para juntos buscarem em cidade vizinha os produtos desejados. Partindo da Rodoviária da cidade de origem, chegaram ao destino final após hora e meia, tendo pegado um circular para tanto.
Encontrada a banca com prévia indicação, o acompanhante de Careca perguntou ao vendedor:

- Quanto custa o DVD?
- Três por dez.
- Três por dez? Mas o que é que eu vou fazer com três DVD`s iguais? Tá me tirando?

E saiu, irritado, dando as costas ao vendedor, que nada entendeu da reação do sujeito esquisito. O episódio rendeu-lhe o vulgo “Zé Três por Dez”.

3

Certo dia, ao conversar com Careca, este me contou que um conhecido seu, chamado Marco, havia lhe contado o seguinte ocorrido:
Tendo ido ao cinema na última sessão assistir um filme que há tempos sentia vontade e, após longo mês de trabalho duro, conseguir o dinheiro para tanto, voltava caminhando para sua casa distante uns cinco quilômetros com a carteira ainda repleta das notas com as quais pagaria as dívidas no dia seguinte. Passava da meia-noite e o movimento na cidade era escasso. Uma noite de quinta-feira. Chegando próximo a um ponto de ônibus onde três sujeitos encontravam-se sentados, fato que o intrigou levando-o a pensar se os três não sabiam não haver circulares no horário, chegando a sentir pena dos indivíduos, foi abordado por eles que anunciaram um assalto. Se reagisse levaria uma surra. Não sabia se estavam armados e poderia levar mais que uma surra. Os três o haviam cercado e correr não daria. O pensamento da possibilidade de perder todo seu dinheiro levou-o a fingir que estava passando mal. Um dos sujeitos pediu que tivesse calma e perguntou se ele estava bem.
- Eu... tenho...epilepsia. – disse Marco com a mão no peito, simulando o início de um ataque.
- Calma, calma, senta aqui no banco. – disse outro e, no momento de bobeira, abriram espaço aproveitado por Marco para correr para a avenida onde, providencialmente, o semáforo encontrava-se vermelho e alguns carros aguardavam o sinal verde.
- Socorro, socorro, um assalto, tô sendo assaltado! – gritava Marco desesperado, pedindo ajuda a um motorista parado.
- Corre prá longe. – respondeu.
E ele correu até o bingo que se encontrava aberto, do outro lado da avenida, relatando o ocorrido ao segurança que o aconselhou a esperar a saída da perua que levaria os jogadores até suas casas. Ganhou a carona e não perdeu o dinheiro. Nunca mais foi ao cinema na última sessão. Nunca mais fingiu um ataque e ficou conhecido como “Zé Epilético”, sem ter epilepsia.